por Silvio Carneiro em jul 29, 2012 no Blog do Coletivo Zagaia
Zona Noroeste. Pra quem não conhece a geografia da ilha de Santos, vale a pena explicar onde fica. Pois Santos é, em grande parte, um pedaço de terra cercado por água por todos os lados e dividido pelo morro em duas faces. A primeira, mais conhecida no cartão-postão: o lado rico da cidade, com a muralha de prédios e os jardins das praias. Do outro, o complexo que chamamos Zona Noroeste, território ocupado por palafitas e conjuntos habitacionais, onde habita uma comunidade abandonada pelo poder público (nordestinos e negros em grande maioria, trabalhadores do cais e nas regiões da Baixada Santista). Pois é neste lado da geografia santista (e são vicentina) que são cantados os “proibidões”, os funks que habitam o território indeterminado entre a denúncia social e a apologia ao crime contra o poder policial, por vezes em defesa de facções criminosas.
Durante os últimos dois anos, a relação entre a Zona Noroeste e os proibidões ficou conhecida nos noticiários pelo assassinato de alguns de seus principais MC´s e DJ´s. Felipe Boladão e Felipe da Silva foram os primeiros (2010); em seguida, MC Duda do Marapé (2011) e, mais recentemente, MC Primo e MC Careca (2012). Todos eles representavam a voz do Proibidão, avançando sobre o sinal permitido ao “funk das telas da Globo”. Neste estilo, ao lado dos códigos sexuais nas danças próprias aos bailes funks (ou seria liberalização do corpo aquartelado nas horas de trabalho?), os proibidões são um meio sutil para enviar mensagens para sua comunidade.
Na letra de MC Felipe Boladão, “A viagem”, uma espécie de oração aos amigos mortos, podemos encontrar a seguinte estrofe: “Não dou mais valor às coisas fúteis da vida/ Acho que estou aprendendo a viver/ O sofrimento educou minha mente/
E mesmo assim não consigo entender”. Este sentido de perplexidade ocupa grande parte das músicas de Felipe Boladão, assassinado ainda jovem, como muitos de sua geração acossada, seja pelo mecanismo das facções criminosas, seja pelos esquadrões da morte, seja pela polícia – considerando estas instituições como separadas oficialmente, mas reconhecendo aí algo mais “paralelo”. Talvez, a pergunta que fique seja: porque neste “Brasil moderno”, a visão que se tem é a do inferno (parafraseando outra letra de Boladão: “Mundo moderno”)? E por que encontrar no funk um veículo para expressar estas dúvidas?
Expressão do Funk
Das críticas ao Proibidão, a mais recorrente é sua apologia às facções criminosas. Daí, se pretende criar uma linha de raciocínio em nosso imaginário que justificaria as mortes de tais funkeiros, no clima de guerra que se constrói quando o assunto é o conflito entre PMs e traficantes. Não se sabe até que ponto os funkeiros estão envolvidos com este universo. De fato, em suas músicas, há descrições de assaltos e enfrentamento com os “botas”. E quando as alternativas estão entre a defesa do PCC e o silêncio, é sinal de que há algo perigoso neste discurso.
No entanto, fazer esta conexão é um modo simples de não entender as coisas. Ao lado de tais defesas, o proibidão opera suas denúncias. Neste sentido, há algo de verdadeiro na defesa complicada do “Paz, justiça e liberdade”, quando se convive durante gerações uma contabilidade de jovens mortos, quando se habita em um lugar muitas vezes abandonado, quando o signo maior da polícia é o esculacho arbitrário para instaurar uma zona de segurança através do medo.
“Rima agressiva” estava tatuada no braço do último funkeiro assassinado, MC Careca. E talvez esta marca tenha um significado mais contundente. No clima de guerra, no ambiente de exceção, a forma cultural do Funk é este modo em que a denúncia vem acompanhada da agressividade da batida, da violência das palavras de ameaça e de esperança, do sentido de um revide que está por vir, da perplexidade em não entender a aparente arbitrariedade que elimina os seus próximos. Um modo direto de enviar uma mensagem à própria realidade em que vivem.
Enquadrar esta forma como um modo simples de expressão, talvez seja deixar de lado o fato de que no interior desta simplicidade há uma possibilidade ampla de misturar discursos: letradas ou ritmadas. De um modo muito próximo ao rap, os proibidões permitem uma mescla grande: nas batidas podem ser ouvidas as rajadas de balas, como se estivessem atirando para algum lugar, dando algum aviso em meio a um Brasil ainda estranho e confuso. Tiros para o alto, como se estivessem a dar algum aviso? Talvez. Aviso que está em um dos ritmos de MC Careca e Pixote: “Vai dar Guerra”: “As favelas aumentam e com elas os sonhos”. O que fazer com este processo e suas demandas? Silenciar isto é o procedimento mais comum que encontramos na história que forma nossa sociedade. Até quando?
httpv://youtu.be/DiwC1DjvXh8