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Sem orçamento e com comando militar, subprefeituras em São Paulo são desmanteladas

Por: Estevan Muniz, da Rede Brasil Atual

As subprefeituras de São Paulo sofreram um desmantelamento nos últimos oito anos, durante a gestão de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD). Segundo apuração feita pela Rede Brasil Atual, nesse período o orçamento anual do Poder Executivo municipal de São Paulo teve um aumento de 154,83%, passando de R$ 15,2 bilhões, em 2005, para R$ 38,7 bilhões, em 2012, mas os orçamentos das subprefeituras somados tiveram uma queda de 61%, indo de R$ 2,9 bilhões para pouco mais de R$ 1 bilhão. Transformadas em espécies de zeladorias, as subprefeituras perderam atribuições, ao passo que a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras ganhou peso e 516% de aumento em sua cota na distribuição das verbas públicas.

“A Secretaria de Coordenação de Subprefeitras concentra hoje grande poder. A ideia de Kassab é ter grandes ações na cidade, grandes intervenções, que não sejam compartilhads com a regiões. É um movimento de concentração de poder”, afirma o cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas. Ele vê essa centralização de poder como contrária à participação popular. “Quanto mais você descentraliza, mais espaço há para participação popular. As grandes cidades da América Latina vivem um processo de descentralização. E o governo Kassab está na contramão disso. Aquilo que era um embrião importante, as subprefeituras, ele conseguiu desmantelar”, diz.

Hoje, das 31 subprefeituras que existem na cidade, 30 são geridas por coronéis da reserva da Polícia Militar. Eles passaram a ocupar esses postos na gestão de Kassab, em 2009, quando as subprefeituras já haviam perdido boa parte de sua verba e de suas atribuições, durante os primeiros anos de sua gestão e do meio mandato de Serra. Os coronéis e Beto Mendes – único subprefeito civil, que administra a subprefeitura de M’Boi Mirim –, limitam-se a executar nos bairros as ordens que vêm da prefeitura e de suas secretarias. Segundo Francisco Fonseca, a nomeação de coronéis foi um jogo de marketing político. “Pra dar uma áurea de que as subprefeituras funcionam, ele nomeou os coronéis aposentados, mas é um jogo equivocado, porque eles não têm nenhuma relação com planejamento urbano, urbanismo ou com problemas sociais”.

Criadas em 2002 pela então prefeita, Marta Suplicy (PT), as subprefeituras tinham outra função que a aplicada por Kassab, de acordo com a lei municpal que as estabeleceu. Entre seus objetivos estavam a democratização da gestão pública e o facilitamento da administração da cidade, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conta com 1,5 milhão de quilômetros quadrados e 11,3 milhões de habitantes. A lei determinava que aos subprefeitos cabia a “decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local”.

De fato, a redução de recursos destinados às subprefeituras ocorreu ao mesmo tempo em que se deu a concentração deles para a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras. Para o cientista político Eduardo Grin, que realizou uma pesquisa de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a implantação das estruturas regionais, essa migração de verbas acampanhou uma passagem de atributos. Esse processo, segundo ele, foi uma estratégia política de Kassab. “Quanto menos áreas concentrarem recursos, mais fácil é montar os arranjos de construção de política. Em vez de ter decisões de obras segmentadas regionalmente entre as subprefeituras, o que seria uma coisa complexa, porque cada subprefeitura tem o seus interesses e as suas demandas, em vez de discutir com vários subprefeitos, ele discute só com um secretário.”

Executar projetos de alto interesse para Kassab e de pouco interesse popular tornou-se mais fácil com o desmantelamento das subprefeituras, de acordo com Grin. “É mais fácil fazer negociações centralizadas do que negociar com a região. Com projetos, como os que privatizam o espaço público, que Kassab promoveu, pode ter movimentos sociais e associações de bairro que se oponham, mas se há um processo centralizado, que oposição ele terá? Nenhuma. Sequer as pessoas da região sabem dos projetos”. Grin aponta que essa estratégia revela a visão da atual gestão de como deve ser a relação entre Estado e sociedade. “O governo Kassab entende que as decisões centralizadas são capazes de produzir efeitos positivos nas regiões. Essa é a ótica desse governo, ele é muito pouco aberto ao díalogo à participação social”, afirmou.

A entrada dos coronéis nas subprefeituras precede um ano em que há uma queda acentuada nos orçamentos das subprefeituras. Em 2009, os orçamentos somados representaram 4,22% do orçamento total do Poder Executivo, e, no ano seguinte, eles passaram a representar 3,22%. “Colocar um coronel em uma estrutura de gestão em uma região sinaliza pra população que é uma estrutura de mando, e o projeto original das subprefeituras entendia que ela seria uma estrutura de controle social participativo, com a população se envolvendo na política local. O recado que o governo Kassab dá é: a subprefeitura não é lugar de democracia”, comenta Grin. Para ele, a presença dos coronéis limita o diálogo entre a população e a gestão municipal. “Se a a formação política dos coronéis não é democrática, se historicamente eles trabalham mandando, por que eles mudariam isso nas subprefeituras? Eles vão ficar democráticos da noite pro dia?”.

Tratamento ríspido

Procurados, líderes comunitários e presidentes de associações de moradores de bairros acusam falta de diálogo com as subprefeituras que compreendem seus distritos. Rodrigo Olegário é líder comunitário no bairro Jardim Icaraí, na Brasilândia, zona norte da cidade. No início de agosto, ele foi expluso da subprefeitura da Brasilândia/Freguesia do Ó, e, na semana passada, disse ter sido ofendido por seu coordenador de Projetos e Obras, após cobrar uma informação referente à Operação Cata-Bagulho, que recolhe entulhos nos bairros periodicamente. Os moradores e a subprefeitura tinham acordado que a operação seria realizada a cada dois meses – a última vez havia sido em meados de julho, e Olegário queria saber quando ia ser a próxima.

“Muitas famílias querem respeitar o ambiente e não jogar entulho na calçada, porque tem gente que acaba jogando até em frente de escola. Perguntei à subprefeitura quando eles iam instalar as placas, indicando a existência do programa. Depois de eu ter ligado várias vezes, e vários prazos terem sido passados e estendidos, eles falaram que estavam sem verba. E o rapaz [coordenador de Projetos e Obras] falou que não vai mais me atender, nem a comunidade, que só enchemos o saco, e que está pouco se lixando com o problema”, contou. De acordo com ele, a subprefeitura não realizará a operação em setembro.

Olegário também comentou como o coordenador de Adminstração e Finanças tratou-lhe, quando ele se reunia com a assessora de imprensa da subprefeitura, para discutir um projeto de construção de um centro cultural em um espaço que sofre com esgosto a céu aberto e é ocupado pela venda de drogas. “Foi uma grosseria total. Ele estava chegando de férias. No meio da nossa conversa, disse: ‘O que esse rapaz está fazendo aqui? Some daqui, menino!’”.

Crescenza Giannocaro preside a Associação de Moradores e Amigos da Mooca há onze anos. Ela contou que raramente trata as questões dos moradores com o subprefeito da Mooca. “Não posso dizer que há uma grande abertura. O subprefeito é pouco acessível à comunidade. Os assessores são quem nos atendem e nos orientam”, disse ela. A associação enfrenta problemas relacionados ao patrimônio do bairro e sempre tem de lidar com os órgãos centrais e com vereadores, que têm base popular no bairro. “Quando não somos atendidos, somos obrigados a ir até outras autoridades e até o Ministério Público. O que sentimos é que as subprefeituras são simplesmente síndicos do local, não têm o poder realmente de assinar e levar adiante”, contou.

Em março deste ano, os moradores da Mooca se mobilizaram junto ao Ministério Público para impedir a venda de uma praça no bairro à iniciativa privada, idealizada por Kassab e aprovada na Câmara Municipal. Crescenza conta que só passou a ter essas dificuldades depois da entrada de Kassab. “Na gestão de José Serra, o subprefeito era praticamente um morador do bairro, sempre estava presente pra poder colaborar com a comunidade toda. Houve uma epóca na qual o poder de decisão do subprefeito era muito maior”.

Para Marcelo Mota, presidente da Sociedade Amigos do Itaim Bibi, a subprefeitura de Pinheiros, que compreende seu bairro, só serve atualmente para levar pedidos à prefeitura. “Sinto que nem uma zeladoria é, a subprefeitura é um posto de mal atendimento. Você reclama de problemas de manutenção, mas não sabe com quem falar, porque nunca tem ninguém aqui em Pinheiros”, contou. Segundo Mota, a associação é o canal de comunicação dos moradores com a subprefeitura. “Se o morador vai lá sozinho, fica perdido. Nem pra resolver problema de alvará o comerciante pode ir lá”. Ele desempenha funções na associação desde que foi fundada, em 1995 e comentou que as subprefeituas já foram muito mais eficientes. “A subprefeitura tinha o papel de democratizar a prefeitura, mas não faz nada disso, tanto que colocaram um monte de coronéis lá. Na época da Marta, a subprefeitura que tínhamos era extremamente esforçada e resolvia nossos problemas cotidianos”, comentou.

O começo do desmonte

O processo de desmantelamento das subprefeituras teve início na gestão de Serra. A maior queda de orçamento se dá na passagem de 2005 para 2006. Naquele ano, os orçamentos das 31 subprefeituras somados representavam 19,44% do orçamento total do Executivo do município, e, neste último, passaram a representar 3,28%. Em 2005, Serra já era prefeito, mas trabalhava com o orçamento aprovado em 2004, pela gestão anterior, de Marta. “Quando Serra assumiu, ele produziu decretos de recentralização, retirando serviços das subprefeituras. Assim como a Marta decretou, repassando incumbências de várias secretarias para elas, ele foi firmando decretos retirando as atribuições e devolvendo-as para as secretarias. Minguadas as incubências, o efeito disso foi financeiro”, disse Grin.

Ele comentou que se tratava de uma decisão política de Serra, que discordava da indicação de subprefeitos por vereadores que Marta gerenciava. “O Serra tinha um compromisso público com a sociedade paulistana em relação às subprefeituras. Durante a campanha, ele bateu forte no governo, falando que ele tinha transformado aquilo em cabide de emprego pra vereadores”. Grin contou que, em vez de indicar vereadores e pessoas ligadas a eles, Serra passou a nomear às subprefeituras candidatos derrotados de prefeituras de outras cidades do estado,. “Ex-prefeitos das cidades de SP não têm base eleitoral nas regiões e não têm interesse em se eleger nelas. Qual é o recado que Serra deu? Vereador até pode ter uma influência na região, mas não indica mais subprefeito”.

As subprefeituras foram criadas para substituir as administrações regionais, após a cidade ter sofrido uma crise de corrupção que envolvia várias delas, durante a gestão de Celso Pitta (1997-2000), com a “Máfia dos Fisicais”. Desde 1965, durante a prefeitura de Faria Lima (da então Arena, partido de sustentação da ditadura), o município era dividido por essas administrações, e as subprefeituras foram instaladas para substituí-las. “No final da década de 1990, as subprefeituras passaram a ser vistas como a única alternativa possível de romper com a crise política, moral e administrativa das regionais, e todos os candidatos de oposição a Pitta eram a favor delas”.

Mas o estudo de Grin indica que o projeto de Marta das subprefeituras não interrompeu a troca de favores entre vereadores e prefeitos, que ocorria por meio das administrações regionais. “Os territórios na cidade de São Paulo, esta cidade-nação, cuja dimensão é maior que vários países europeus, foram historicamente recursos políticos muito significativos pra construir lideranças políticas locais e para os prefeitos constituírem as suas bases de apoio na Câmara Municipal. Eles atendiam às demandas de vereadores em determinadas regiões, em troca do apoio que tais parlamentares poderiam oferecer às políticas dos prefeitos na Câmara”, ele contou.

Segundo Grin, as subprefeituras falharam em romper com essa lógica. “O governo de Marta, para ter maioria de votos na câmara, transformou as subprefeituras em um recurso político pra constituir a sua coalizão majoritária no parlamento”. Grin disse que no princípio dessa gestão, o governo se deu conta que não conseguiria aprovar o projeto de subprefeituras, porque não tinha votos suficientes na câmara e que corria o risco de passar o resto do mandato sem uma base de apoio de vereadores, assim como havia ocorrido com Luiza Erundina, no início da década de 1990. “Pra aprovar o projeto, foi necessário construir acordos com os vereadores. O projeto, então, nasceu limitado, mantendo exatamente aquilo queria negar no início: a presença dos vereadores no território, pra garantir uma gestão técnica, que prestasse serviço de qualidade”.

Mas, de acordo com ele, a atual prefeitura tampouco alterou a lógica de troca favores. “Com os coronéis nas subprefeituras, ele não negocia territórios, nem subprefeituras – está fora do pacote de bondades dele. No entanto, Kassab inverteu esse mecanismo e criou um substitutivo. Ele trocou a moeda de barganha, passando a oferecer aos vereadores um montante, para cada um deles fazer emendas no orçamento. Com um novo modelo, constrói sua base sólida e aprova todos seus projetos. Isso em parte responde ao interesses dos vereadores, mas nem de longe os satisfaz”.

“Militarização rapidamente se intensifica em São Paulo”, diz ativista da Rede 2 de Outubro

Publicado originalmente no SpressoSP

Por Igor Carvalho

Programação do evento (Imagem: Rede 02 de Outubro)

Recentemente, o movimento social “Mães de Maio” começou a recolher assinaturas, na internet, pela “Desmilitarização das polícias do Brasil”. O documento já foi subscrito por mais de quatro mil pessoas. Esse ideal veio na esteira de uma onda de violência na cidade de São Paulo. O Instituto Sou da Paz realizou, então, um estudo para entender de onde vinham as pessoas assassinadas em conflitos com a Polícia Militar,  e concluiu que 93% dos mortos eram oriundos da periferia da capital paulista.

Para debater o que chamam de “extermínio da juventude”, a Rede 2 de Outubro, realiza o “Fórum pelo fim dos massacres”, no próximo sábado (25), às 10h, na rua Serra da Bocaina, 381, Belenzinho, zona leste de São Paulo.

Padre Valdir João Silveira (Pastoral Carcerária), Carol Catini (Rede Extremo Sul), Roberto Luiz Corcioli Filho (Associação Juízes para a Democracia) e Fernando Cruz (Rádio Várzea) falarão sobre: militarização da gestão pública; sistema judicial; sistema prisional e mídia e cultura de violência.

O SPressoSP conversou com Rodolfo Valente, integrante da Rede 2 de Outubro, organizadora do debate, sobre os assuntos que culminaram na organização do evento. Confira a entrevista, na íntegra.

SPressoSP –  O que significa ter, hoje, 30 coronéis nas 31 subprefeituras da cidade de São Paulo?
Rodolfo Valente –
Significa que estamos em um estágio avançado de militarização da sociedade e da gestão pública. Esses coronéis levam consigo a lógica militar da guerra, e é a partir dessa lógica que gerenciam os problemas das regiões nas quais estão circunscritos. Essa militarização, que é legado direto de uma ditadura militar ainda não descortinada, permeia os diversos espaços urbanos, mas é mais sentida na periferia, onde, cada vez com mais intensidade e violência, problemas sociais são resolvidos à base da criminalização e da truculência policial. É nesse contexto que vemos a ascendente criminalização de movimentos sociais pela moradia, os violentos despejos, a série de massacres à população jovem e negra da periferia, a crescente intervenção da polícia militar em pequenos conflitos entre adolescentes nas escolas públicas, os obscuros e regulares incêndios em ocupações populares, e por aí vai. Apesar de a periferia ser a mais afetada, também as pessoas pobres da região central são assoladas por essa política. Estão aí a “Operação Dor e Sofrimento”, na Cracolândia, as pancadarias promovidas pela Polícia Militar em grande parte das manifestações de rua e a abordagem extremamente violenta e ilegal da GCM a moradores de rua e a camelôs. A militarização, que rapidamente se intensifica na cidade de São Paulo, tem, em última análise, a função de controle e contenção total de qualquer insurgência provinda das periferias.

SP – O judiciário brasileiro é conivente com os abusos cometidos pelas polícias nas ruas?
RV –
O judiciário não apenas é conivente como legitima esses abusos. De um lado, juízes e promotores, quando mantêm a prisão e condenam as pessoas mais vulneráveis dessa cidade, ainda que as provas sejam escassas e muitas vezes derivadas de torturas, contribuem diretamente para o alto grau de seletividade penal e de violência policial com que convivemos. De outro lado, esses mesmos juízes e promotores são completamente desinteressados quando a eles chegam denúncias de tortura e de execuções perpetradas por policiais. Ainda que haja indícios claros de tortura ou de execução, preferem arquivar as investigações por entenderem que não há provas. É uma clara opção política que atende a interesses econômicos dos pouquíssimos de sempre, cujas riquezas são, em menor ou maior grau, produto desse sistema que lança os excluídos ao sistema prisional, ignora os crimes de policiais contra os mais pobres e dá de ombros para a criminalidade do colarinho branco.

SP – A tortura se tornou uma política comum no modus operandi da polícia?
RV-
 A tortura faz parte da cultura policial no Brasil desde a invasão portuguesa. Especialmente em São Paulo, bem se sabe da história das incontáveis torturas perpetradas contra índios e escravos e que se seguiram, desde a República Velha, contra os mais pobres, os negros formalmente libertos e os movimentos sociais. A Ditadura Militar, que levantou uma enorme e complexa estrutura de repressão, marca o aprofundamento dessa cultura de tortura. Essa estrutura repressiva ainda subsiste. Junto com ela, a naturalização da tortura nas práticas policiais que, até hoje, com os anos de chumbo ainda cobertos e impunes, segue em vigor.

SP – Apesar do aumento do efetivo militar e da truculência na ação da polícia, os índices de violência só aumentam. O que está errado?
RV –
Não precisamos de mais policiais na rua. Esse discurso é falacioso e escamoteia as reais intenções que motivam a defesa do aumento do efetivo militar. A Polícia Militar é justamente aquela em relação à qual a população periférica fica mais vulnerável, vez que opera nas ruas e aborda, em regra, os mesmos de sempre: pobres, jovens e negros. O crescimento do efetivo da Polícia Militar, nesse contexto, serve ao interesse de acuar, ainda mais, aquela população que menos tem acesso aos mais essenciais direitos humanos. Em um contexto de profunda desigualdade, é óbvio que o fortalecimento e o embrutecimento da Polícia Militar em lugares onde deveria haver promoção de direitos básicos só fará recrudescer a violência.

SP – Uma polícia desmilitarizada é o desejo de alguns setores da sociedade. O que você pensa sobre isso?
RV –
Penso que é um primeiro passo e ele é fundamental. Obviamente, não basta trocar o nome. A GCM, por exemplo, não faz parte das Forças Militares e tem práticas tão militarizadas quanto às da PM. A desmilitarização tem que se refletir em mudanças reais no sentido de mudar a concepção de uma polícia de guerra para uma polícia minimamente comunitária e, na medida do que é possível em uma sociedade forjada na violência estrutural, a serviço da população mais vulnerável. Para além da desmilitarização, precisamos também pensar em formas efetivas de controle popular das polícias. Obviamente, a polícia, assim como todas as instituições ditas públicas, tende sempre a ser instrumentalizada pelas classes dominantes e, justamente por isso, não dá para vislumbrar mudanças profundas sem protagonismo popular. A atual campanha pela desmilitarização da polícia, encampada por movimentos populares de peso, como as Mães de Maio, em pouco tempo atingiu 4 mil assinaturas e segue a todo vapor. Apenas a partir da mobilização popular podemos concretizar essa caminhada de resistência ao militarismo e à violência estatal.

SP – Recentemente, os paulistas acompanharam uma onda de violência nas periferias. Que tipo de ação o “Fórum pelo fim dos massacres” vai propor para modificar esse cenário?
RV –
O Fórum é uma chamada pública ao debate crítico das questões que envolvem o Massacre do Carandiru e que até hoje são determinantes dos diversos massacres que ocorrem cotidianamente. Quando a sensação de insegurança cresce, o Poder Público, invariavelmente, responde com ações de criminalização da pobreza, de encarceramento em massa, de militarização da gestão pública, de extermínio, entre outras soluções mágicas. Partimos do pressuposto de que essas respostas, longe de resolver a situação, na verdade a agravam. O “Fórum pelo fim dos massacres”, nesse momento, deve encaminhar propostas no sentido de frear drasticamente as ações de repressão, sobretudo o processo avançado de encarceramento em massa, de militarização e os sucessivos extermínios policiais, e de fortalecer politicamente as comunidades periféricas com a construção de instrumentos capazes de garantir a participação popular no controle das instituições do Poder Público.

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A segurança pública tucana

 

A política de segurança pública de São Paulo está falida. Uma política que se resume em aumentar o número de presídios e o número de policiais militares

 

1º/08/2012

 

Editorial da edição 492 do Brasil de Fato

 

Diante da repercussão do assassinato do empresário Ricardo Prudente de Aquino, pela PM paulista, o governador tucano exigiu uma apuração rigorosíssima e prometeu acelerar a indenização do Estado à família do morto.

Sendo condescendente com o governador, é impossível não enxergar em suas palavras um primado de cinismo. Passa a impressão de que a desastrada ação policial, que custou mais uma vida humana, é um caso isolado e deveu-se apenas aos erros de procedimento dos envolvidos na operação militar, os que dispararam as balas assassinas.

Somente um olhar obtuso, ou mal-intencionado, pode ignorar que esse caso é apenas mais um de centenas de outros. É possível desassociar a desastrada ação policial, que lamentavelmente custou a vida de Aquino, das chacinas e execuções sumárias que se espalham pela periferia da cidade? Ou ignorar que a morte de 26 PMs, em dias de folga dos trabalhos, ocorridas de janeiro a maio, elevam o stress dos policiais e seus familiares a níveis insuportáveis? Atirar primeiro e perguntar depois – se sobreviver alguém a quem perguntar – virou a prática cotidiana das forças públicas encarregadas da segurança da população. Esse script só é questionado quando a vítima não é pobre, ocupa espaço na mídia e sensibiliza o governador.

O emprego da força e a letalidade policial em São Paulo são assustadores. No estado de São Paulo, de janeiro a maio, 1 de cada 5 homicídios foi cometido pela PM. Nos Estados Unidos esse índice é de 1 para cada 35 homicídios. De 2006 a 2010, 2.262 pessoas foram mortas pela PM paulista. No mesmo período, em todo o território estadunidense, a polícia matou 1.963 pessoas. São Paulo tem 41 milhões de habitantes, o que lhe confere uma taxa de 5,5 mortes para cada 100 mil habitantes. EUA tem 313 milhões de habitantes e a taxa cai para 0,63.

E há, junto à classe média, setores do comando da PM e do governo, quem defende o uso de mais repressão policial como única saída para combater a violência e a criminalidade existente. São incapazes de perceber que a política de segurança pública de São Paulo está falida. Uma política que se resume em aumentar o número de presídios e o número de policiais militares. Evidencia sua falência aos mostrar-se incapaz de combater o crime organizado, quem comanda suas atividades criminosas de dentro dos presídios, tem atuação permanente nas periferias – incluindo regiões centrais da capital – e apresenta-se à sociedade como um verdadeiro poder paralelo ao do Estado.

Falência evidenciada, também, no tratamento dado as questões sociais. A polícia do governo tucano não sabe enfrentar uma simples passeata de estudantes em defesa do passe escolar, ou uma manifestação de grevistas, sem usar cassetetes, bombas de gás, cães e balas de borracha. A síntese dessa truculência e desumanidade contra a população pobre se materializou na ação policial contra os usuários de crack, na região central da capital, e no despejo das famílias do bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). Não é por outra razão que os governos tucanos, tanto do José Serra quanto o do Geraldo Alckmin, sofreram denúncias na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ou seja, essa violência policial é coerente com a direitização do PSDB. A jornalista Maria Inês Nassif já havia alertado, em janeiro/ 12: “O governador é conservador; o PSDB tornou-se organicamente conservador, depois de oito anos de governo FHC e oito anos de posição neoudenista. A polícia é truculenta (…) e foi mais do que estimulada nos últimos governos a manter a lei, a ordem e esconder a miséria debaixo do tapete.” Assim, o comandante-geral interino da PM, coronel Hudson Camilli, está sendo coerente com a linha política dos últimos governos tucanos quando afirma que o número de mortos em confronto com a PM está dentro da normalidade. Como foi coerente o governador José Serra ao escolher o Reitor da Universidade de São Paulo (USP) que abriu o campus para a PM.

A dissertação de mestrado do tenente-coronel Adilson Paes de Souza, defendida na Faculdade de Direito da USP, sobre a Educação em Direitos Humanos na Policia Militar, traz elementos reflexivos para a reestruturação da força policial encarregada da segurança da população. Para o tenente-coronel, hoje na reserva, a educação de baixa qualidade em direitos humanos é uma das causas da violência policial.

Mas é necessário, também, promover mudanças mais amplas e profundas na economia e nas políticas públicas, que extrapolam o âmbito do estado de São Paulo. Políticas de combate à pobreza e a desigualdade social, que promovam a democratização da riqueza e da renda produzida na 6ª economia mundial, com índices sociais vergonhosos.